Resenha: Lugar Nenhum - Neil Gaiman
Em
uma noite chuvosa, Richard Mayhew, que estava comemorando o novo emprego em
Londres, conversa com uma senhora incomum. Ela lê sua mão e prevê um longo
caminho a ser percorrido. Além disso aconselha o herói a ficar longe de “Portas”.
Três
anos depois Richard mal se lembrava daquela noite e nem da previsão daquela
senhora. Mas é quando encontra uma jovem sangrando na calçada que sua
verdadeira aventura em Londres começa.
Já
havia lido “Coraline” também do Neil Gaiman e curtido muito o livro, portanto,
quando tive a oportunidade de ler outro livro do autor não perdi tempo. Escolhi
‘Lugar Nenhum’ por ter a impressão de que era uma história mais adulta do que a
de Coraline e por causa das criticas que li sobre o livro, todas elogiando o
autor.
E
a ‘Londres de baixo’ criada pelo autor realmente é dignÃssima de elogios. Gaiman
criou um mundo sujo e mais antigo que a própria Londres, com pessoas que tem
habilidades incomuns vivendo nos esgotos e subterrâneo. É aterrorizante e fascinante
de acompanhar a trajetória de Richard por esse mundo, em companhia da jovem
Door, do marquês de Carabas e da misteriosa Hunter. Lembrando que Door
significa ‘porta’ em inglês, por isso a profecia da velhinha tinha certo
sentido, embora o próprio Richard não consiga enxergar isso ao longo da
história.
A
maneira de narrar do autor me lembrou muitas vezes uma história infantil, não
tanto pelas palavras mas pela maneira de se utilizar das palavras e como
conduzia o diálogo. Porém uma criança não conseguiria entender as sutilezas do
livro, o paralelo entre a ‘Londres de baixo’ e o mundo marginalizado em que os
mendigos e moradores de rua vivem na realidade das grandes (e pequenas)
cidades. A Londres mágica pode não existir no subterrâneo, mas os moradores de
rua existem e recebem mesmo esse tratamento descrito no livro por parte dos
habitantes da Londres ‘de cima’, ou das ‘pessoas normais’.
Porém
esse livro questiona e muito o que realmente é normal. Será que Richard seria
mais feliz se tivesse permanecido em seu emprego comum, com sua noiva comum e
destino absolutamente previsÃvel? Mesmo mais suja e mortal, a Londres de baixo
exerce uma fascinação sobre o personagem principal de forma que, ainda que com medo
e querendo ir para casa, ele permanece naquela situação em companhia desses
amigos novos e igualmente estranhos.
O
relacionamento entre Richard e Door merece um parágrafo a parte. Mesmo tendo
afirmado diversas vezes que Door é uma menina, uma jovem, uma garota, dá para
perceber certa tensão romântica entre esses personagens, uma ligação mais forte
do que com o restante das pessoas relacionadas a Richard. A grande culpada por
Richard ter ‘caÃdo’ de seu mundo normal é Door, porém a ligação entre ela e o
personagem principal se estabelece antes disso. Realmente, o autor não deixa
muito claro se existe algo romântico entre eles, mas tive essa sensação.
Falando
em personagens, esses são outro ponto fortÃssimo do livro. Embora o próprio
ambiente criado pelo autor atue como um personagem, há também personas muito
bem desenvolvidas por Gaiman, tanto fÃsica quanto psicologicamente. Os aspectos
fÃsicos são tão vividos que é como se eu estivesse vendo um desenho dos
personagens a minha frente, é tudo muito vivido, talvez pelo histórico de
Gaiman na criação de quadrinhos (ele é autor do elogiado Sandman).
O
melhor exemplo dessa descrição impecável são o Sr. Croup e o Sr. Vandemar.
Ambos são vilões e vestem roupas iguais mas é impossÃvel não distingui-los e
imaginá-los cada um com sua caracterÃstica particular. Se eu soubesse desenhar (eu não sei) seria capaz de fazê-lo
perfeitamente, somente baseando-me nas informações do próprio autor.
Essa
precisão e profundidade não se aplicam apenas ao aspecto fÃsico dos
personagens. Algo que gostei bastante no livro foi que todos os personagens têm
contornos psicológicos muito amplos, além de ser apenas bom ou mau. Os vilões
são engraçados, os bonzinhos são dúbios em sua bondade, um traidor pode ser
ainda um amigo... A única que se mantém mais ou menos a mesma ao longo da
história é Door, o restante dos personagens não são tão corretos ou bonzinhos o
tempo inteiro.
E
ainda tem a questão: Será que tudo isso aconteceu mesmo? O mundo real aparece
vez ou outra no livro e vez ou outra ao longo da história me veio essa questão
na cabeça. O próprio final do livro questiona a sanidade de Richard, cabendo ao
leitor dizer se o que passou aconteceu mesmo ou se o personagem apenas
endoideceu por alguns dias depois que sua noiva o largou.
Eu
prefiro acreditar nessa Londres mágica que existe no subterrâneo. E dou nota 9,5, pois
o livro, além de muito bom, é
completamente diferente de tudo o que já li.
Claro,
muito dessa impressão se deve a minha falta de intimidade com histórias do
gênero, mas gostei mesmo do livro e indico para os que gostam de narrativas
fantásticas, mesmo que essas não tenham necessariamente um romance e não sejam
voltadas para adolescentes.
P.S.: Descobri que o livro foi adaptado, era uma série britânica. Para maiores informações é só procurar pela série Neverwhere.
Já leu algum livro do Neil Gaiman? Tem vontade de ler? Comente!
1 comentários:
Write comentáriosHouve também uma adaptação para HQs. Para os que curtem vale a pena dar uma olhada...
ReplyOlá, seja bem-vindo!
Pode falar o que quiser do filme, livro ou texto - só peço que tome cuidado para não ofender os outros leitores do blog. Nada contra palavrões mas também não vamos exagerar, ok?
Obrigada!