|Resenha| Caro Michele - Natalia Ginzburg

sexta-feira, julho 08, 2016 0 Comments A+ a-

   Caro Michele é um livro publicado pela autora italiana Natalia Ginzburg em 1973.  A história curta, cerca de 150 páginas, gira em torno de Michele, um jovem de 20 e poucos anos que, de um dia para o outro sai deixa a Itália rapidamente, como que fugindo de algo. Somos então apresentados a amigos, amantes, irmãs e aos pais de Michele através de suas cartas ao personagem ou de algumas cenas narradas em terceira pessoa pela autora, que entremeiam as cartas.
   Nunca tinha lido nada da Natalia Ginzburg. Aliás, li muito pouco de literatura italiana em minha vida, de forma que resolvi solicitar um dos poucos livros que havia disponível dessa autora no Skoob e começar daí. Depois da ressaca literária pós "O conde de Monte Cristo" achei que era uma boa optar por um livro completamente diferente e com poucas páginas. 
   A primeira coisa que me chamou a atenção na autora foi sua escrita, de frases curtas e diretas. Para quem veio de um clássico francês, cheio de diálogos e parágrafos cheios e, muitas vezes, exagerados, foi um pouco estranho esse estilo de escrita, mas para minha surpresa, agradável, depois que se acostuma. Há certa poesia na reflexão dos personagens em suas cartas entre si, mas a narrativa em si é bem direta, se limitando a narrar os fatos que ocorrem, de forma até mesmo fria. 
   O livro, então, é dividido dessas duas formas: as cartas e a narrativa. Nas cartas é que vemos as reflexões e pensamentos dos personagens mas, enquanto isso poderia trazer luz para seu interior, o oposto é justamente o que ocorre. Tais pensamentos e reflexões muitas vezes estão contidos de forma muito velada, cabendo ao leitor a todo momento captar o subtexto do que é dito nessas missivas. Alguns personagens são claramente mentirosos ou omissos e o leitor pode se ver enganado por declarações de amor fajutas ou por falsas esperanças. 
   Michele é o personagem central do livro mas, curiosamente, todas as ações se passam em sua ausência. A narrativa em terceira pessoa nunca o alcança e nós só temos conhecimento dele e de suas atividades através de suas cartas curtíssimas e dos personagens que já se relacionaram com ele: sua mãe, a quem ele só escreve um par de vezes, preferindo se comunicar com sua irmã Angélica; Osvaldo, uma figura enigmática que os outros personagens acreditam ser ex-amante de Michele; Mara, uma jovem pobre que diz estar grávida do filho de Michele (mas não tem certeza)... Nessas visões e observações carregadas de afeto é que vemos o personagem que dá título ao livro, subtendendo seu caráter frívolo, mimado e inquieto
   A edição da Cosac, além de ter capa e diagramação espetaculares, também conta com um posfácio muito interessante, escrito por Vilma Arêas. Através desse texto pude confirmar as minhas percepções de que o livro tem algo de peça teatral, pela forma com que as cenas se passam e pelo conjunto entre diálogos e caracterizações dos personagens. Também havia percebido um quê político nessa história (muito sutil, por sinal) e Arêas contextualiza o lançamento da obra com a história italiana do período, além de dar informações sobre a biografia da autora, que era comunista e chegou a ser deputada na Itália antes de falecer em 1991. 
   Um aspecto do livro levantado por Arêas e que havia me escapado é a intertextualidade entre esse livro e a obra de Proust. Como nunca li o autor parisiense tal diálogo entre as duas obras me escapou, tendo visto a citação de Proust durante a história como algo casual apenas. Mas, segundo a autora do posfácio, há diálogo entre a temática dos dois livros: tanto Proust quanto Ginzburg tratam como tema universal a memória e o esquecimento, além da saudade de um tempo passado. Arêas ainda cita outras referências da autora, mas essa me pareceu uma das mais relevantes para entender o contexto da obra. 
   No geral, gostei muito da leitura. A escrita de Natalia Ginzburg é bem simples, direta mas, ao mesmo tempo, bem poética. É acessível a todos os tipos de leitores mas recomendo aos que gostam desses livros em que não há muita ação ou aos que tem vontade de ler algo da autora mas não sabem por onde começar. Ginzburg certamente tem livros mais famosos, principalmente de não-ficção, mas achei um bom livro introdutório.      
   Caro Michele mostra um vislumbre da vida de seus personagens em torno de uma ausência e também me mostrou um pouco da própria autora. Gostei muito de ambos. Nota 9 - muito bom.

PS.: Não citei na resenha mas gostei dessa visão do cotidiano de uma família na Italia. Embora não possa dizer que seja uma típica família, a descrição de lugares, comidas e canções napolitanas certamente foi um dos pontos altos da história. 

|LEIA A SINOPSE DESTE LIVRO NO SKOOB|

Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


Olá, seja bem-vindo!

Pode falar o que quiser do filme, livro ou texto - só peço que tome cuidado para não ofender os outros leitores do blog. Nada contra palavrões mas também não vamos exagerar, ok?

Obrigada!