|RESENHA| O jovem Törless - Robert Musil #DesafioLivrada

sexta-feira, novembro 04, 2016 0 Comments A+ a-

   ATENÇÃO: ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS.
   Vivendo em colégio em um local distante de casa, de disciplina rígida e só com meninos, Törless é um adolescente cheio de angústias. Embora tenha vários amigos, como Reitin e Beineberg, o jovem se sente diferente de todos, buscando algo que parece não existir
   O livro começa de forma um tanto típica, mostrando Törless, o adolescente cheio de angústia (o que é quase um pleonasmo), despedindo-se dos pais na estação de trem e voltando a pé para o internato onde vive mas que odeia. Mesmo assim, até nessas primeiras páginas é possível ver a qualidade do autor, Robert Musil, que parece abordar um mar de sentimentos interiores numa simples caminhada até o colégio. 
   Logo, porém, a trama se complica e ganha contornos ousados para a época em que o livro foi publicado. É que Reitin, o sádico amigo de Törless, descobre que o colega de classe deles, Basini, está roubando dinheiro dos outros alunos. Reitin sugere então a Beineberg e Törless que eles mesmo punam Basini e só depois o entreguem a direção da escola. Começa então uma série de abusos ao personagem de Basini que se prolonga por quase todo o livro, com a participação de Reitin e Beineberg e a complacência de Törless. 
   Li esse livro para o desafio livrada, pois ele é o típico romance de formação e essa é uma das categorias que consistem esse desafio. Iria ler "O jogo das contas de vidro" mas optei por "O jovem Törless" porque tenho esse livro fisicamente e porque, segundo li, "O jogo das contas de vidro" é um livro muito complicado. Achei melhor lê-lo fora do desafio, para poder dar mais atenção e tempo a trama. 
   "O jovem Törless" é um romance curto (talvez até possa ser categorizado como novela, de tão curto que é) mas cheio de temas fortes e passíveis de discussão. Törless é um adolescente cheio de desejos que não compreende e com uma moral ainda pouco desenvolvida e por isso comete alguns erros por omissão nesse livro. Törless não faz nada ao ver Reitin e Beineberg espancando Basini e, quando descobre que as surras se tornaram estupros, fica mais intrigado do que revoltado com a história toda. 
   É que Törless já tinha alguns pensamentos homossexuais dentro de si, alguns dirigidos ao seu amigo Beineberg. Quando descobre essa situação com Basini, um aluno mais frágil, possivelmente homossexual e numa posição vulnerável (precisa que os outros não contem sobre seu roubo) transfere seus "sentimentos" para Basini. Em certo momento do texto ambos acabam se relacionando sexualmente, mas Törless pouco a pouco começa a desprezá-lo pela sua falha moral e complacência. 
   A temática homossexual está bastante presente nesse livro mas, dos três amigos, só Törless romantiza esse relacionamento com Basini. Reitin, que foi o primeiro a ter relações sexuais com o colega, é o verdadeiro sádico - quer a humilhação total (moral, psicológica e física) do outro e sente prazer nisso. Já Beineberg usa a desculpa de conseguir "o crescimento espiritual" para repetidamente estuprar e espancar o colega ladrão. 
   Assim como "O senhor das Moscas" nesse livro também vemos a que ponto a crueldade das pessoa pode chegar quando detém o poder mas nenhuma força que para inibir o exercício deste. Os professores e diretores da escola parecem ausentes, distantes, incapazes de ver o que acontece diante de seus olhos. E, com isso, a situação de Basini vai se complicando de tal forma que, não fosse uma interferência de Törless no final do livro, não tenho dúvidas de que o jovem acabaria morto. 
   Não dá pra dizer que gostei desse livro, mas, analisando a obra seu contexto e a época em que foi escrito, reconheço os méritos e a ousadia da história. Mesmo assim vejo esse livro divido em duas metades. 
   A primeira antes de Törless se relacionar sexualmente com Basini. Nesse ponto o livro é muito bonito porque vemos o personagem principal se apaixonando e sua confusão e angústia ao perceber que seu afeto é dirigido a alguém do mesmo sexo. Nesse momento já acontecem os abusos da parte dos outros colegas para com Basini, mas Törless somente intui que esses abusos ocorrem e se sente incapaz de impedir
   Já na segunda parte, depois que o relacionamento se consuma, vemos os sentimentos românticos de Törless se desintegrarem. Utilizei a expressão relacionamento para falar de Törless e Basini pois, ao contrário do que acontece com os outros, o sexo entre ambos é consensual. Ou ao menos é o que mais se aproxima desse conceito. 
   Nesse segundo momento, ao invés de ficar em êxtase por estar consumando aquilo que com frequência fantasiou, Törless se vê ainda mais angustiado. Li que o livro é baseado nas experiências do autor, Robert Musil, em um colégio militar e, embora o autor o tenha negado, estou inclinada a acreditar nisso. Para mim fica muito visível no texto momentos em que o autor se vê na necessidade de justificar o comportamento de Törless e tudo o que ele passou, chegando até mesmo a abandonar o momento presente da trama para dizer como Törless enxergaria tal relacionamento no futuro. 
   Acho que essa ânsia de Musil por analisar e justificar o que ocorre entre Basini e Törless diminuiu um pouco a obra. Mesmo que o final permanecesse o mesmo, seria mais interessante se o autor deixasse em aberto se essa homossexualidade de Törless foi coisa de um episódio ou se foi algo que levou para sua vida adulta. Musil, no entanto, talvez por ver muito de si no personagem, resolveu usar parágrafos do romance para justificar que aquela foi apenas uma experiência para que "Törless" adquirisse a moral que tem hoje. 
   Mesmo um pouco decepcionada pelas escolhas do autor da segunda parte do livro, tanto na narrativa quanto na trama, ainda recomendo para os que querem saber o que raios é um romance de formação mas não tem paciência ou tempo para ler um Dickens da vida. Se você tem interesse pela trama, saiba que, embora haja uma linguagem pela e poética, não se trata de um livro romântico. Muito pelo contrário, aliás. 
  
 Minha nota é 7,5 - o livro é bom mas tiro meio ponto pelas questões que citei. 
   
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Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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